Cumprir horários? É tempo. E tempo tem de ser dinheiro.


Hoje vou abordar uma questão que, à primeira vista, parece banal, mas reflectindo nela com algum cuidado, percebe-se, de imediato, que é mais do que um mero problema secundário. Falo do eterno dilema português em cumprir horários. Em Portugal, por mais crises que haja, por mais dificuldades que se instalem, há coisas que realmente nunca mudam. E receio mesmo que nunca venham a mudar. O chegar a horas aos compromissos é uma delas. Por que raio neste país os atrasos são cultos instituídos? De onde veio, afinal, o ritual dos atrasos que se verificam de forma transversal e em todos os sectores de actividade? Seja no emprego ou na vida pessoal é um clássico neste país chegar atrasado. Uma reunião está marcada para as nove da manhã e nunca estão todos os convocados à hora estipulada. Um almoço está agendado para as 13 horas e há sempre um ou outro que se atrasa. Marca-se um evento para as quatro da tarde e só começa meia hora depois porque pessoa X ou Y teve um imprevisto. Na verdade, os atrasos são mais culturais que outra coisa. Por mais que se combatam, por mais que sejam criticados, os factos provam precisamente que, enquanto povo, somos assim. Não há nada a fazer. Mas, pior do que chegar atrasado, é a falta de respeito, sempre presente, para com os que cumprem, os que chegam a horas, os que não vacilam. Este é um tema que me é caro. Muitas são as vezes que me dizem que eu sou tudo menos portuguesa nesta matéria. Sim, chego a horas aos meus compromissos. Sim, respeito os prazos. Sim, cumpro os horários e as minhas responsabilidades. E sim, respeito o outro, quando não falho com as horas. Porque para chegar a horas, provavelmente levantei-me mais cedo, se calhar dormi menos uma hora e sacrifiquei-me para ser cumpridora. Contudo, em Portugal a prática prova o contrário: são os incumpridores os respeitados. São os irresponsáveis aqueles que são tidos em conta e para com os quais se tem tolerância mil. É, por estas e por outras, que com hábitos assim, culturalmente instituídos e aceites, não saímos da cepa torta. Os ouvintes dirão que esta é uma questão menor. E até pode ser, mas juntando todas as questões menores de uma sociedade, percebemos porque somos atrasados, porque não produzimos riqueza e porque somos assim a modos que uns baldas. É certo que não é só um problema colectivo, é essencialmente algo que está no sangue de cada um. Eu, por mim, não me importo nada que me chamem uma chata em matéria de horários. Porém, custa-me que, nesta matéria, me sinta sempre refém e minoritária, porque quem cumpre horários em Portugal, pelos vistos, está desintegrado e vive fora da caixa instituída. Ainda assim, continuo a ter esperança que a sensatez um dia faça milagres.


*Crónica de 23 de Fevereiro de 2015, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.

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